CORTES NA REMUNERAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS EM RAZÃO DA COVID-19, DOENÇA CAUSADA PELO CORONAVÍRUS, SÃO INCONSTITUCIONAIS

Após um levantamento feito pela Consultoria da Câmara dos Deputados apontando um impacto financeiro de R$ 14,8 bilhões de reais por mês, em caso de corte de 10% (dez por cento) nos salários dos servidores públicos federais, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, anunciou a proposta de redução de até 20% (vinte por cento) na remuneração de servidores públicos, durante o combate à pandemia do coronavírus. Ele afirmou que “não é só o valor, mas o simbolismo daqueles que têm proteção maior para colaborar com a sociedade e a nação”.

Thaís Franco da Rocha
Advogada

Além disso, o jornal O Globo anunciou que teve acesso a uma outra proposta, de Emenda à Constituição Federal, prevendo a redução de até 25% (vinte e cinco por cento) nos salários de servidores públicos federais até o final de 2024.

O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), líder da bancada tucana na Câmara dos Deputados, protocolou  no dia 24 de março, um projeto de lei que prevê a redução salarial dos servidores públicos que recebem acima de R$ 5 mil, durante o estado de calamidade, excluídos apenas os servidores da saúde e segurança pública.

Estes são apenas alguns exemplos das propostas que tramitam no Congresso Nacional acerca da redução dos salários de servidores públicos para o enfrentamento da pandemia de Covid-19.

Entretanto, estas não são as medidas mais adequadas para o enfrentamento da pandemia, tanto que não foram adotadas em nenhum outro país do mundo e sequer são admitidas no âmbito  federal. Pelo contrário, existem outros instrumentos aprovados pelo Congresso Nacional, em casos de calamidade pública, como a utilização de recursos do orçamento; a suspensão dos pagamentos e amortização da dívida pública; cortes no fundo eleitoral; a taxação de grandes fortunas; a venda do excedente de reservas internacionais; etc. 

O governo do Estado de São Paulo, por sua vez, prevendo uma economia de R$ 1 bilhão, anunciou o Decreto nº 64.937, postergando o pagamento do terço constitucional de férias para a data de pagamento do décimo-terceiro salário; suspendendo:

I – a antecipação do pagamento do décimo terceiro salário aos servidores públicos civis e aos militares do Estado;

II – a conversão, em abono pecuniário, de um terço das férias do empregado público;

III – os concursos públicos em andamento;

IV – a admissão de estagiários;

V – as nomeações para cargos públicos e as admissões em empregos públicos, quando vagos;

VI – a fixação de metas e a realização de avaliações referentes a bonificações e participações nos resultados que possam importar a assunção de despesas adicionais.

Redução de Salários não reduziria os efeitos do coronavírus na economia

Economistas garantem que a redução de salários não ajuda a conter os efeitos do coronavírus na economia, pois, por óbvio, esta medida reduziria a quantidade de dinheiro que circula na economia brasileira, enxugando os recursos do mercado e causando demissões no setor privado.

Do contrário, neste momento, o correto seria discutir orientações aos trabalhadores, garantir a estabilidade no emprego, a manutenção da renda, a alimentação e a saúde. O próprio Ministro da Economia, Paulo Guedes, concordou que haveria importante impacto macroeconômico na adoção desta medida e desistiu da ideia, afirmando: “Eu acho que num momento de emergência você tirar dinheiro do funcionalismo, seja das empresas, eu não acho que é o momento de fazer isso”. No Distrito Federal, principalmente, a grande massa salarial vem de servidores públicos, são 36% (trinta e seis por cento). 

Corte de Salários de Servidores: demagogia ou guerra política

A ideia de reduzir o orçamento com salários de servidores públicos também foi rechaçada pelo relator da PEC do Orçamento de Guerra, o deputado Hugo Motta, que teve apoio de partidos de esquerda, de centro e de direita. O deputado Orlando Silva, do PCdoB, por exemplo, disse que as iniciativas de corte de salário são demagogia ou guerra política: “Não podemos fazer demagogia ou guerra política no momento, alimentar posições de desprezo pelo serviço público”.

Além disso, a esmagadora maioria do funcionalismo público não está parada em razão da pandemia, mas está trabalhando em esquema de home office

O que chama mais atenção em referidas propostas de redução, entretanto, é a inconstitucionalidade, em razão do princípio da irredutibilidade de vencimentos e subsídios, previsto no art. 37, inciso XV, da Constituição Federal. 

Ainda que o estado de calamidade pública evolua para um estado de defesa, não há previsão de redução de salários, a teor do artigo 136 da Constituição.

Não existe a possibilidade de se “contornar” a Constituição Federal, como o deputado Carlos Sampaio afirmou para defender o seu projeto, por exemplo. As garantias constitucionais conquistadas no período da Assembleia Nacional Constituinte pela luta dos sindicatos e pelo movimento da classe trabalhadora não permitem excepcionalidades.

Como se não bastasse, as medidas de redução salarial do serviço público, ainda que via projeto de emenda à Constituição, apenas sob a justificativa do estado de calamidade pública, são de juridicidade duvidosa, uma vez que a Constituição da República não é omissa quanto à medida cabível nessa situação, prevendo a instituição de empréstimo compulsório.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, da mesma maneira, vai de encontro à redução salarial, conforme o julgamento da ADI da Lei de Responsabilidade Fiscal, no qual a Corte Suprema entendeu que o corte salarial não tem previsão constitucional, conforme as regras do art. 169 e parágrafos, da Constituição Federal.

Tanto é assim que, até o momento, não há aprovação de nenhuma medida de urgência que permita a redução de remuneração dos servidores públicos. O governo teme que a redução de salário e jornada afete a produtividade do funcionalismo público, em momento de alta demanda. 

Mas, como medida política, na contramão do que necessita a sociedade neste momento, as autoridades preferem atacar o serviço público,  mesmo que inconstitucionalmente, como vem acontecendo a exemplo dos servidores municipais de Cajamar, que estão sofrendo cortes no adicional de zona rural, em razão do home office, situação esta que já está sendo debatida administrativamente pelo nosso escritório.

Posto isso, você, servidor público de qualquer ente da federação, se tiver algum corte de salário, pode buscar a discussão administrativa e judicial, sobre o que o escritório Küster Machado está preparado para atendê-lo.


Küster Machado – Servidor Público
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